Leia
com atenção a notícia publicada no jornal Zero Hora, de 14/07/2007 e em seguida
a crônica escrita pelo comentarista David Coimbra, da RBS, falando acerca da
abertura dos Jogos Pan-Americanos:
LULA É VAIADO EM FESTA BONITA
Vaias ao presidente Luis Inácio
Lula da Silva marcaram a cerimônia de abertura dos Jogos Pan-Americanos do Rio,
ontem, no Maracanã. Em uma quebra de protocolo, o presidente do Comitê Olímpico
Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, assumiu a tarefa de abrir oficialmente
o evento.
Segundo o documento da organização
dos Jogos, Lula deveria falar após o presidente do COB e o da Organização
Esportiva Pan-Americana (Odepa), o mexicano Mario Vazquez Raña. Respeitando
tradição de desde a edição de Buenos Aires, em 1951, Lula daria início ao Pan,
dizendo: “Declaro abertos os Jogos. Boa sorte, Brasil”.
Mas a reação do público teria
obrigado mudanças no protocolo. Nas vezes em que Lula aparecia nos telões ou
era citado no evento, parte dos 90 mil espectadores o vaiava. O presidente, na
tribuna de honra, ficou visivelmente chateado. Segundo o prefeito do Rio, César
Maia, enquanto outros dirigentes discursavam, Lula decidiu não fazer sua parte
na abertura. O presidente pediu ao Nuzman para não dizer que ele (Lula) anunciaria
os jogos. Só que esqueceram de informar o Raña, que acabou chamando o nome do
presidente. Foi uma situação chata, por culpa da precipitação da comitiva do
presidente – disse César Maia.
Lula chegou a postar-se à frente
do microfone, com seu texto na mão, mas Nuzman acabou dizendo:
- Em nome de todos, declaro
abertos os jogos Pan-Americanos do Rio.
Segundo a assessoria de imprensa da
Presidência, houve “desencontro de cerimoniais”, ou seja, uma gafe. Já o comitê
organizador do Pan não deu sua versão.
Ao fim da cerimônia, Lula saiu do
Maracanã sem falar. Entrou no carro com a primeira-dama, Marisa Letícia, após
se despedir do governador do Rio, Sérgio Cabral. Questionado sobre a reação do
público, o vice-presidente José Alencar também não quis falar.
Lula não foi o único a ser vaiado.
Sobrou também para os atletas americanos, venezuelanos e bolivianos.
A VAIA DO RIO DE JANEIRO BRANCO
A vaia do Maracanã ao
presidente Lula foi maciça, foi pesada e foi humilhante. Mas há um aspecto
nessa vaia que não se pode deixar passar: foi a vaia do Rio de Janeiro branco.
Onde estavam os negros na linda festa do maior templo do esporte mundial? Onde
estavam os pobres que todos os dias atormentam os motoristas nos sinais de
trânsito, esmolam nas esquinas, balançam nos trens e nos ônibus lotados? Quem
atravessou a cidade da Barra da Tijuca ao Maracanã viu onde eles estavam: nas
favelas pingentes, nas malocas infectas, vivendo no fedor do mangue, entre
balas perdidas e papagaios empinados.
Isso não desmerece nem
desautoriza a vaia do Maracanã. Os bem nascidos e bem alimentados também têm
direito à vaia, e foram 90 mil bem nascidos e bem alimentados que vaiaram o
presidente. Mas foram, sim, os bem nascidos, os bem alimentados.
Eu estava no Maracanã. Eu
vi: eram todos limpos, corados, vestidos de acordo com a moda, caminhando
sorridentes com seus filhos pela mão. Repito: não havia pobres no Maracanã. E
repito: isso não torna a vaia menor. Mas isso deixa exposta a maior chaga do
Brasil. O Brasil são dois: o Brasil branco, que trabalha, ri, se diverte e
protagoniza uma festa tão magnífica como a de ontem. E o Brasil que vive à
margem, subnutrido, revoltado, muitas vezes de fuzil na mão, como nas favelas
do Rio.
Lula veio deste Brasil. Do
Brasil negro. Provavelmente mereceu a vaia. Mas quem o vaiou vem de um lugar do
qual ele jamais pertenceu. E talvez tenha sido esse o motivo de ter sido a vaia
tão maciça, tão pesada, tão humilhante.
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